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sábado, 28 de abril de 2012

A Quimera

- Tom, preciso falar urgentemente com você.
- Pois não, meu senhor. O que passas?
- Eu queria poder chorar, mas de mim nem lágrimas correm mais.
- Mas por que queres chorar, amo?
- A realidade que eu queria estar não é a que vivo, nem a que finjo viver. Minha vida não passa de uma grande mentira contada por mim mesmo, o tempo todo, e que de tão inocente já tomou o espaço do meu verdadeiro eu por mais de séculos!


- E por que não vive o que queres viver?
- Porque não acredito que achem que haja espaço para mim.
- Você acredita?
- Não há razão para não ter espaço para alguém.
- Então por que ainda não fez nada?
- Por que eu sou como você, Tom, não somos deuses, somos criaturas. Sempre vivi em função do que querem de mim.
- Mas você não possui forma?
- Sem dúvida de que possuo, mas sempre abro mão dela para me tornar o que vejo no meu reflexo nos olhos das pessoas.
- Por quê?
- Porque sem elas não tem sentido existir.
- Você não acha que elas podem estar abertas a saber quem você realmente é?
- Não sei mais o que se passa por aquelas cabeças, rapaz, nem mesmo o que querem que eu seja.


- Por que não tenta ao menos uma vez viver realmente de modo intenso toda sua realidade? Seja a vontade!
- Não tenho coragem de ser julgado sobre a face de quem realmente sou, esse é meu último santuário.
- Você vive em uma ilusão mestre! Quer tanto tocar no real, mas não abre a mão do seu mundo de sonhos!
- Mas ele foi a única coisa que eu tive como companhia, Tom. Quando todos partiram o que me restou foi a minha amigável imaginação.
- Mas agora você pode viver com pessoas reais de novo, largue esse passado!
- Não, Tom, por mais que não seja "real" é o que sempre me fez companhia, se isso não pode ser real, eu não posso!
- Mas senhor, nem tudo pode ser como você quer, não precisa concretizar cada um desses sonhos que se passou em sua mente. Certas coisas sempre lhes serão íntimas.
- Eu quero viver Tom, já não posso me prender mais a mim mesmo! Estou farto de não ser quem sou e quero espaço para poder mostrar o que realmente sou!
- Espaço? Não se engane, o que você realmente quer é permissão, sua criaturinha.
- Veja bem o que está falando! O que passou por sua cabeça?!




- Meu mestre, conforme sua filosofia varia, eu vario e se a ideia do que é a existência já se tornou vaga, eu mesmo não preciso estar preso a conceitos tão moralistas, ou seja, agora sou livre.
- Você realmente é minha prova absoluta de que, de forma alguma, a existência pode ser definida como sonho ou realidade. Porém, meu caro, minha existência nunca verá isso como verdade, sou limitado a no máximo viver a realidade.
- Então mestre, viva, faça o que tem que fazer e não se limite pelo o medo. Viva as consequências, porque não as viver não as fará deixarem de existir.




- Tom meu amigo, todos os dias é de você quem sinto mais falta, mesmo "estando" aqui o tempo todo. Tentarei viver e se tiver sorte serei humilhado a ponto de não ter mais vergonha de mostrar nenhum "defeito".
- Mestre, você será julgado assim como todos os outros foram, é inevitável! Mas você pode sobreviver a isso,  então "viverá o que você possivelmente viverá". Agora eu parto, chegou a hora de você vir até mim.
- Já estou chegando Tom, talvez...

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